O que é o valor intrínseco do animal? |
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Este artigo argumenta que o conceito de "valor intrínseco" não é eficaz na defesa dos direitos dos animais. Começa-se por explicar o significado do termo e sua aplicação aos direitos dos animais. O dinheiro é usado como exemplo, onde seu valor intrínseco é distinto de seu valor financeiro. Da mesma forma, os animais têm um valor intrínseco, independentemente de seu valor para os humanos. No entanto, o texto questiona a eficácia desse conceito, especialmente em relação aos animais em vias de extinção e àqueles explorados na indústria.
Discute-se a relação entre valor intrínseco e direitos dos animais, destacando que a liberdade é um valor fundamental para todos os seres vivos. A distinção entre animais raros e comuns é abordada, sugerindo que o valor intrínseco dos animais pode variar de acordo com sua raridade ou tratamento.
O texto critica a aceitação generalizada do valor intrínseco sem uma melhoria efetiva na proteção dos animais. Em vez disso, propõe que a liberdade seja o princípio orientador dos direitos animais. Argumenta-se que a autonomia e a liberdade são mais importantes do que um valor intrínseco indefinido.
Além disso, o texto explora a ideia de autonomia relacional, onde os animais podem exercer sua liberdade mesmo em situações de dependência humana, como animais de estimação. Destaca-se a importância de criar condições que permitam aos animais viverem de acordo com sua natureza intrínseca.
Em suma, o texto questiona a utilidade do conceito de valor intrínseco na defesa dos direitos dos animais e propõe que a liberdade seja o fundamento principal para garantir seu bem-estar e dignidade. |
Introdução
Neste artigo, argumenta-se que o termo "valor intrínseco" não contribui de forma eficaz para a causa dos animais (e seus direitos). Embora cada animal (cada ser vivo) possua valor intrínseco, o mesmo pode ser dito de cada grão de areia (cada ser não vivo). Algo que se aplica a tudo provavelmente carece de valor. A liberdade é um valor inerente ao qual todo ser vivo na natureza tem direito. |
Neste artigo argumentamos que o termo "valor intrínseco" não contribui de forma eficaz para a causa dos (direitos dos) animais. Começamos pelo significado do termo e, daí, passamos ao seu uso em relação aos direitos dos animais.
O dicionário apresenta o exemplo do valor intrínseco do dinheiro. O dinheiro tem o valor que nele está impresso (o valor financeiro) e tem o valor do material: o valor instrumental.
Uma nota de dez euros pode ser usada para comprar artigos que consideramos ter o valor de dez euros. O papel da nota de dez euros, por si só, não vale quase nada. Isso não é assim com a moeda de euro. O metal do qual é feita a moeda também tem valor, embora este seja inferior a um euro. Esse valor tem o nome de valor intrínseco: o valor do meio de transporte de dinheiro ("vale o que se quiser dar por ele"). |
A liberdade não tem preço. |
A discriminação entre o valor intrínseco de animais raros e de animais muito comuns
Uma situação um tanto estranha acontece quando uma moeda sai de circulação. Para alguns colecionadores, a nota ganha de repente um valor enorme devido à sua raridade. Tal como o dinheiro, assim parece acontecer com os animais. Os animais em vias de extinção ganham subitamente um grande valor intrínseco. Parece que o valor intrínseco do animal vai diminuindo à medida que o animal existe em maiores números ou à medida que é pior tratado. Os 450 milhões de animais (por ano) da bioindústria na Holanda parecem ter, conjuntamente, menos valor intrínseco do que, por exemplo, os texugos em Limburgo. O valor intrínseco para os animais significa que eles têm um valor próprio, independentemente de seu valor financeiro, instrumental ou valor de uso para o ser humano. É muito duvidoso se queremos ou podemos diferenciar bem o uso desses conceitos. |
Valor intrínseco: as novas roupas do imperador?
As autoridades holandesas reconhecem, desde a aceitação da Nota relativa à proteção dos animais de 1981, o valor intrínseco do animal individual. A Lei da Saúde e Bem-Estar descreve assim o conceito: "O reconhecimento do valor intrínseco do animal significa que o animal, independentemente do ser humano, é portador de um valor próprio e que os interesses do animal deixam de estar automaticamente subordinados aos interesses do ser humano. A finalidade das leis relativas à proteção dos animais, segundo o ponto de vista do governo, é, por isso, a criação de condições e situações que conduzam a proteções contra ações humanas que danifiquem o bem-estar do animal". |
Evertsen e Bordes escrevem:
A Lei da Saúde e Bem-Estar dos Animais foi publicada no Diário do Governo de 1992, nº 585. A introdução do conceito de bem-estar no capítulo III.
O interesse pelo bem-estar dos animais parecia inaugurar uma nova era em que a proteção dos animais poderia ser prosseguida com entusiasmo. O valor intrínseco, como conceito normativo e orientador, desempenhava sobretudo um papel subordinado, mas, ainda assim, as expectativas eram grandes. A nova forma de falar sobre os animais poderia inspirar uma nova convivência com eles. A ver:
desde que foi aceito pela legislação, este conceito tem sido abraçado pelos ativistas dos direitos dos animais. Provavelmente, esperavam, por meio deste conceito, preparar o público em geral para desenvolver mais consideração pelos interesses dos animais. Mas os argumentos frágeis não resultam.
A avidez com que este conceito foi aceito por todos (inclusive pela pecuária industrial), enquanto que, na prática, as coisas só pioraram para os animais, deveria ter alertado os protetores dos animais. |
Todos agem como se compreendessem o significado do valor intrínseco, e ninguém quer admitir que não sabe; o conceito soa interessante. Quem tem interesses na bioindústria e os políticos participam alegremente com frases que mais dissimulam do que revelam, em vez de ações decididas a favor dos animais. Proclamar que um animal tem um valor próprio não custa ao empresário da bioindústria ou ao político nem dinheiro nem trabalho. São as novas roupas do imperador, que continua nu.
Segundo A.W. Musschenga, "o conceito do valor intrínseco da natureza não humana é um instrumento intelectual na luta contra o antropocentrismo" (Filosofia e Prática 15/3, 1994, p. 113).
Em 1996, Mr. Drs. J. Staman, da Divisão Ciência e Transferência de Conhecimento do Ministério da Agricultura, declarou, num dia de estudo para bioeticistas sobre "o valor intrínseco do animal na prática", que "o conceito é abstrato, distante, vago, passível de toda espécie de interpretações e cria confusão. Não apela à imaginação. Não cria laços com as nossas emoções" e que "o conceito (valor intrínseco) é desmascarado (...) por não fazer qualquer diferença na prática". |
Dignidade ou valor próprio?
A confusão aumenta ainda mais quando as pessoas substituem o conceito por "valor próprio" ou usam a palavra "próprio". Dignidade, na ética, tem o significado de valor pessoal, ou seja, a consciência do valor que se tem. A etologia não apresenta nenhuma prova de que os animais têm consciência do que valem. Alguns cientistas opinam que os animais não têm uma personalidade ou um sentido de identidade. Quanto aos macacos antropoides e aos golfinhos, considera-se provável que experimentem uma forma mínima de sentido de identidade. |
Valor intrínseco na doutrina da criação: Deus ex machina?
Para quem usa a Bíblia como fonte de inspiração, é possível deduzir que o animal foi criado por Deus com qualidades e capacidades especiais, com o propósito de proporcionar a si mesmo certas experiências que vão além do valor utilitário que o ser humano lhe atribui. O ser humano tem o dever de não negar ao animal essas experiências positivas (intrínsecas) e de não lhe infligir experiências negativas (igualmente intrínsecas).
É na alma que essas experiências são guardadas, e é a alma que liga o ser humano ao animal.
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No seu livro "Crise Animal", Michel Vandenbosch faz uma boa proposta para uma alternativa ao valor intrínseco.
O direito do animal a dispor da sua própria vida
Um leão ou um golfinho não podem conceber o conceito de liberdade em todas as suas formas e subtilezas. Isso não quer dizer que não tenham necessidade de liberdade. No seu livro *Respeito pela Natureza* (*Respect for Nature*), o professor de filosofia canadiano Paul Taylor entende a liberdade animal de forma ideal como a ausência de qualquer impedimento à sua atividade normal e ao seu desenvolvimento saudável.
Considerando os seus limites biológicos e os riscos naturais da existência (como doenças ou predadores), pode-se discernir uma forma quase absoluta de liberdade para os animais: uma existência independente num biótopo livre do controlo humano e de intervenções humanas constantes. Assim, os animais têm as melhores possibilidades de reger a sua própria vida — nas palavras de Paul Taylor, de “florescerem” — e viverem conforme foram equipados pela natureza.
Um elefante atinge uma situação de bem-estar ótima quando pode perseguir e realizar os fins, necessidades, interesses e preferências próprios da sua espécie. Para um elefante, isso inclui a possibilidade de migrar com a sua manada.
Os golfinhos, com cerca de três metros, foram moldados pela hidrodinâmica durante 65 milhões de anos para nadar cerca de 60 km por dia e mergulhar entre 200 a 500 metros, em grupos que podem chegar a dezenas ou milhares de indivíduos. Isso contrasta drasticamente com as piscinas de poucos metros quadrados e profundidade dos delfinários. Nessa situação, o potencial inato da espécie praticamente não pode ser realizado, o que causa sofrimento aos animais.
Não são apenas os maus-tratos físicos que deixam marcas (feridas e contusões) ou as doenças por negligência. O grau de desenvolvimento das suas potencialidades inatas e as privações causadas pela falta de condições adequadas também determinam a qualidade de vida dos animais.
A privação num ambiente sem estímulos e a falta de liberdade podem afetar tanto o bem-estar mental dos animais que, por tédio ou frustração, começam a demonstrar comportamentos neuróticos ou psicóticos, automutilam-se, entram em depressão ou apatia total.
O fato de que esses animais nunca conheceram um ambiente de vida enriquecedor, e que “não sabem o que estão a perder”, não é uma justificação aceitável para esse tipo de tratamento. No seu habitat natural, a vida pode acabar subitamente — faz parte dos riscos naturais da existência — mas, até lá, animais selvagens ou sociais desfrutam de liberdade de movimentos.
As únicas barreiras são naturais ou limites de reservas protegidas. Para um golfinho, o limite é a costa marítima. O mundo natural de um golfinho não está cercado por muros de betão ou paredes de vidro.
A liberdade nem sempre é igual a independência total. Éticos especializados falam da necessidade de autonomia, que também pode ser realizada em contextos de dependência. Essa forma relativa de liberdade é chamada de autonomia relacional. O conceito adapta-se a animais que vivem sob cuidados humanos. Idealmente, isso ocorre em situações que lhes permitem evoluir e desenvolver-se, até ao seu fim natural, ou, por compaixão, até que esse fim seja antecipado sem dor.
A autonomia relacional é quase impossível para animais selvagens, pois as suas exigências são incompatíveis com a vida em cativeiro. Já os animais domesticados não são tão exigentes: cães e gatos podem adaptar-se a certas regras humanas. No entanto, também esses animais têm grande necessidade de autodeterminação. Precisam de uma vida interessante, em companhia de outros da mesma espécie, com um mínimo de experiências negativas.
Quando animais — sejam selvagens ou domesticados — perdem quase totalmente o controlo sobre o próprio corpo e a sua vida, por intervenção humana, já não se pode falar de cuidados dignos ou de uma vida digna.
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Valor e direito são independentes entre si
Os direitos de indivíduos (humanos ou animais) não crescem ou decrescem relativamente às variações do seu valor, seja este expresso em dinheiro, raridade, indispensabilidade ou valor intrínseco. Mesmo se o valor (próprio) de uma vida fosse insignificante, os seus direitos não seriam inferiores aos de alguém que se considera particularmente valioso. Na nossa ordem jurídica, o animal não é um portador ativo de direitos e não há diferenças de princípio entre um objeto e um animal. O valor de um objeto pode variar entre zero e o impagável. A introdução de um valor intrínseco poderia proteger um animal da extinção e de ser tratado de forma extrema como uma coisa. Será evidente que aqui está imbuída uma forma de desigualdade perante a lei.
Tal como existe a tendência humana a deixar de ligar completamente a assuntos de baixa prioridade, assim há a tendência a desvalorizar totalmente os seres dos quais se pensa que têm um valor intrínseco inferior. Sobretudo quando existe uma quantidade enorme de animais da mesma espécie, como na bioindústria.
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A liberdade é um ponto de partida melhor para os direitos dos animais
O que significa o valor intrínseco do animal é por definição algo que supera a nossa imaginação. Por outras palavras: não é o que se pensa ser. Pior ponto de partida para os direitos dos animais é impensável. Parece-se com a questão da fé. Por definição, não é possível convencer alguém racionalmente da existência de Deus; é preciso haver crença. Na prática, os crentes chegam a termos sobre o conteúdo da crença, mas para um tribunal não há acordos possíveis sobre crenças. Nomeadamente esta falta de verificação jurídica é a objeção ao conceito do valor intrínseco. O valor intrínseco é um termo vago e, portanto, inútil como ponto de partida para os direitos dos animais. Quando muito, poderá ser usado no caso de animais raros ou ameaçados por extinção. Melhor é fundamentar os direitos dos animais no direito universal dos seres humanos e dos animais à liberdade. Estes direitos têm igual validade tanto para os animais que são raros como para os que existem em grandes números. Que achariam as pessoas da nossa ordem jurídica como fundamentada no valor das pessoas?
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Confusão de conceitos
Como acima afirmamos, existe uma grande probabilidade de que o conceito "valor intrínseco" seja interpretado de formas diferentes. Pode-se interpretá-lo (dependendo da tónica ser colocada no "intrínseco" ou no "valor") como o valor de um indivíduo existir mas ser de quantidade e essência intrínseca e, portanto, indefinido (A). Também pode ser interpretado no sentido de um indivíduo ter um valor original intrínseco e que, portanto, é indiscutível (B). Ambas as interpretações não adicionam nada ao juízo humano ou à compreensão do valor objetivo e o valor prático do conceito é nulo. Além disso, é uma contradição de termos e é um raciocínio circular.
Um valor torna-se visível no comportamento em liberdade e a essência e alcance do seu valor são decididos pelo próprio indivíduo. Não podemos e não devemos ajuizar sobre o valor dum outro.
O que é essencial para um ser vivente é ter a liberdade e, portanto, o espaço para ser ele próprio, seja qual for a origem e natureza desta necessidade. Para um indivíduo é importante (tem valor) otimizar as circunstâncias que tornam isto possível. Para um ser humano, isto significa ter oportunidades de se desenvolver; para um animal, isto significa poder viver segundo os seus instintos intrínsecos e inatos. Uma comunidade social e justa garante estas possibilidades nos seus direitos fundamentais. Só assim o potencial intrínseco de poder vir a ser o que se quer se pode realizar. Discutir aqui extensamente este pensamento paradoxal poderia levar-nos demasiado longe; prosseguimos noutro lugar deste site.
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Autodeterminação para os animais
Embora o ser humano seja mais complexo do que os animais, não quer isto dizer que o ser humano tem mais valor. O ser humano devia ter a liberdade de decidir quanto ao seu valor. De que forma não faz diferença, desde que os outros tenham as mesmas oportunidades e não sejam lesados. Também para o animal a liberdade é uma condição essencial. De forma um tanto críptica, poderia dizer-se que a liberdade é um valor intrínseco à Natureza, que está "incluída" na Natureza. É impossível e desnecessário conversar com os animais sobre o valor e a forma de atualizar a autodeterminação. Uma comunidade dá provas da sua justiça se os seus membros (seres humanos e animais) estão isentos da exigência de conquistar ou defender o seu direito à autodeterminação.
Dito de forma popular: "Cada um tem o direito a ser como é".
Conforme Rollin e Aristóteles, os animais têm um Telos: "uma natureza, função, um conjunto de atividades que é intrínseca à criatura". Isto significa que devemos dar aos animais a liberdade de serem eles próprios (mesmo que apenas guiados pelos seus instintos ou natureza) a preencherem a sua vida e que não nos limitamos a não lesar o bem-estar dos animais, mas que nos empenhamos em criar as condições necessárias para o exercício desta liberdade.
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Dica para a sua área linguística
A maioria dos nossos artigos está escrita em holandês. Convidamos você a explorar o sitemap holandês e usar a função de tradução do Google Translate. Desta forma, poderá ler a nossa mensagem sobre os direitos dos animais, objeções à pecuária intensiva e outros temas na sua própria língua.
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